A mulher do primeiro-ministro espanhol, Begoña Gómez, foi esta terça-feira chamada a depor em tribunal a 5 de Julho, na qualidade de “investigada” (arguida), por suspeitas de corrupção no sector privado e de tráfico de influências por, alegadamente, ter influenciado a adjudicação de contratos públicos a empresários com os quais tinha tido relações profissionais.
A notícia foi avançada por vários meios de comunicação social em Espanha e confirmada no final da reunião do Conselho de Ministros pela porta-voz do Governo de Espanha. Aos jornalistas, Pilar Alegria disse que o executivo respeita as decisões do poder judicial, mas manifestou estranheza por a notificação de Begoña Gómez ter sido conhecida “precisamente esta semana”, a última de campanha eleitoral para as eleições europeias, e pelos meios de comunicação social.
Para mais, o juiz de instrução criminal notificou a mulher de Pedro Sánchez já na qualidade de arguida, antes mesmo de ouvir as testemunhas do processo. As testemunhas deveriam ser ouvidas esta quinta-feira, mas estas audições foram adiadas para 16 de Junho, domingo, o que surpreendeu as partes por se tratar de actos sem carácter de urgência. O juiz Carlos Peinado explicou que o adiamento foi pedido pelo advogado de uma testemunha e a nova data foi marcada para um dia em que ele próprio está de plantão. O horário das audições dependerá, por isso, da “incidência do serviço”.
Ainda que a mulher do presidente do Governo espanhol estivesse indicada como suspeita desde o início da investigação, a sua citação para ser interrogada como arguida – devendo ser acompanhada por um advogado para se defender das imputações – dá outra importância a uma investigação que o Ministério Público tinha considerado não ter fundamento para prosseguir.
No auto de notificação, o juiz justifica que não tinha ainda convocado Begoña Gómez “para evitar uma estigmatização infundada”. Preferiu esperar pela decisão da Audiência Provincial sobre a abertura da investigação, que teve lugar a 29 de Maio, tendo-a chamado agora, para tornar a instrução “o mais rápida possível”. Os magistrados do tribunal de Madrid que decidiram a abertura da investigação consideraram que, num dos casos denunciados pela organização Manos Limpias (Mãos Limpas,) havia “indícios objectivos” de que pode ter sido cometido um crime, o que “legitima uma investigação”.
O tribunal instou o juiz de instrução a centrar-se exclusivamente no caso dos 10 milhões de euros de ajudas recebidas por uma empresa (União Empresarial Temporária) ligada a um professor universitário, Juan Carlos Barrabés, deixando cair outros factos denunciados por aquela organização de funcionários públicos dedicada à denúncia de casos de alegada corrupção, tráfico de influências e de abusos por parte de titulares de cargos públicos e de instituições do Estado.
Os indícios considerados relevantes para a investigação a Begoña Gómes baseiam-se numa carta de recomendação da mulher de Pedro Sánchez a favor do empresário Juan Carlos Barrabés, a qual, juntamente com outras três dezenas de cartas semelhantes, poderá ter influenciado a adjudicação daqueles contratos.
Implicações políticas
Quando foram tornadas públicas as denúncias do Mãos Limpas, Pedro Sánchez chegou a ponderar, durante cinco dias, se se manteria à frente do Governo, acabando por decidir que sim. Em Maio, numa declaração no plenário do parlamento espanhol, garantiu que a actividade profissional da mulher “é honesta”.
“A única coisa que há é lodo”, disse o socialista Pedro Sánchez, uma expressão recuperada hoje pela porta-voz do Governo, que garantiu “absoluta tranquilidade” por causa deste processo, pela certeza de não haver “nada de nada”, como já concluiu um relatório policial. “Não é lodo, é corrupção na Moncloa [a sede do Governo] “, responde, por seu lado, o Partido Popular (PP), que fez criar uma comissão de inquérito no Senado (câmara alta do parlamento espanhol).
Na segunda-feira, o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, em entrevista à Antena 3 no âmbito das eleições europeias, insistiu muito neste processo, afirmando que, do ponto de vista “ético”, “político” e “moral”, Sánchez “não pode continuar a ser presidente” do Governo, porque “não é possível ter um primeiro-ministro cuja esposa esteja a ser investigada em tribunal”.
Nessa entrevista, Feijóo deixou mesmo em aberto a possibilidade de apresentar uma moção de censura contra a frágil maioria de Pedro Sánchez, caso o PSOE tenha um mau resultado nas europeias e se considerar que pode ser “útil”. “Se essa maioria social que não concorda com o que se passa neste ambiente de corrupção política e de corrupção económica em que vive Espanha, nesta paralisia do Governo em que estamos há quase um ano, se essa maioria social se tornar uma maioria eleitoral e o 9 de Junho enviar uma mensagem, entendo que todos os cidadãos verão o fim do túnel mais perto”, disse.