Querida Ana,
Acabo de ter um eureka e apesar de já passar da meia noite e de já serem mais do que horas de estar na cama, não resisto a partilhá-lo contigo.
Como sabes há anos que, enquanto mãe, me debato com a consciência de que, quando vos vejo mal — com um problema por resolver, uma doença, o que for —, fico tão aflita que só faço pior. Na ânsia de vos animar ou de usar uma varinha mágica para solucionar a dificuldade, invariavelmente digo a coisa errada, que também invariavelmente vos irrita ou desespera.
Tal como me acontecia com a minha própria mãe.
Acho que acabo de perceber porquê, ao ler um artigo na revista Psychology Today, sobre a empatia. Uma parte já sabia: a empatia profunda que sentimos com quem amamos leva-nos a sofrer não com elas, mas como se fôssemos elas, percebes a diferença? Sendo assim, o nosso corpo reage em conformidade, e por muito que procuremos disfarçar o timbre da nossa voz e a nossa linguagem corporal, tudo transmite que estamos mal. Que estamos afogados no problema.
Até aqui ia, mas não tinha pensado que esta reação inadvertida e que não estamos a ser capazes de controlar, mesmo que as palavras que saem da nossa boca sejam as certas, só pode criar ainda mais desespero na pessoa que já está desesperada. Claro, porque percebe que é por sua causa que estamos naquele estado. Que nos está a fazer sofrer. E só lhes faltava que, em cima do seu sofrimento, ainda tivesse de lidar com a culpa de estar a fazer sofrer o outro.
Os ingredientes estão todos para que se irrite e responda torto, com todo o ciclo vicioso de mal-entendidos, mágoas e ofensas que se seguem. Como todas as mães e filhas sabem.
Mas como contornar este excesso de empatia e respetivas consequências, Ana? Se calhar, digo eu, é mesmo preciso cortarmos (ou esticarmos) o cordão umbilical, metendo na cabeça de que não nos cabe viver a vida dos nossos filhos. Que terão de ser eles a resolver os seus problemas e a tratar as suas feridas.
Recuar só um passo, permanecendo perto, pronto a ajudar no que for preciso, mas não fazendo literalmente nossos os vossos problemas. Resultará? Responde-me depressa!
Querida Mãe,
Como mãe, digo-lhe que nada parece resultar, porque por mais que saibamos racionalmente tudo o que me acaba de dizer, parece impossível continuar a vida como se nada fosse quando um deles não está bem. Mesmo que esteja do outro lado da sala, da casa ou do mundo, parece que há uma energia que não conseguimos deixar de acompanhar. E nem é de estranhar, já que nos dedicámos integralmente desde que nasceram a procurar afinar a nossa capacidade de sentir, interpretar e responder às suas necessidades, para as saciar.
Mas, mãe, tenho algumas respostas para si, porque como filha, e talvez com a ingenuidade da idade, digo que é possível melhorar.
Que temos que começar por reconhecer e diferenciar o nosso mal-estar do deles.
Que temos que treinar o silêncio. Que temos que treinar suportar o desconforto sem agir, para lhes darmos a oportunidade de resolverem sozinhos. Porque, com cada uma dessas conquistas — tanto eles, como nós —, vamos acreditar mais um bocadinho de que somos capazes! Que as nuvens escuras passam. E isso vai tornar possível entrar noutras tempestades com um pouco mais de confiança.
Mas é como levantar pesos no ginásio para ganhar músculo: custa muito.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990